quarta-feira, 14 de maio de 2008

Poema à dançarina cigana


Se uma noite flamenca
lhe arrancasse do corpo
a dança
poderia rasgar a noite
e cingir os flancos
com os vestidos aéreos
da brisa
E se suas mãos velozes
me alcançassem o sono
e o meu segredo
lhe trespassasse os olhos
jamais do seu rosto
volveria o olhar
antes que a tormenta
lhe levasse
fantástica
sombria
Se o tamborilar dos pés
(na noite em que a dança
lhe aflige a face)
reverbera em meu corpo
toda a dor
de uma metralhadora
que dispara
é porque o mar de espanha
secara em meus olhos
e um grito cigano
me amputara a língua
Onde está a música
que lhe conduz?
Se em seu dedo se rompesse
o círculo
que lhe prende à contradança
se em sua voz se aninhassem
os pássaros de minha infância
Se não fossem o vento e as tardes
caírem noturnas sobre o mar
e os velhos galeões
náufragos
digerirem os mortos...
E se suas mãos
me lavassem a nuca
no mover dos dedos
e das castanholas
se traduzisse o que não sei
em seu corpo
e soçobrasse minha imagem
em seu olhar
ao som de velhas guitarras
e de cânticos antigos e estranhos
as linhas de minha mãos
e apagariam
e você
fantástica
sombria
surgiria
(Luciano Vivacqua)

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