O CAÇADOR
PROVIDENCIAL
Conversávamos acerca do sofrimento, quando o orientador hindu que nos acompanhava contou com simplicidade infantil:
— O Anjo da Libertação desceu do Paraíso a este mundo, pousando num cômoro verdejante, a reduzida distância do mar.
Aproximaram-se dele um melro, um abutre, uma tartaruga e uma borboleta. Reconhecendo que essa era a assembléia de que podia dispor para a revelação que trazia, o iluminado peregrino começou, ali mesmo, a exalçar as virtudes do Alto, convidando-os à Vida Superior.
Com frases convincentes, esclareceu que o melro, guindado aos cimos de luz, transformar-se-ia num pombo alvo, que o abutre seria metamorfoseado numa ave celestial, qual a tartaruga receberia nova forma, suave e leve, em que seria possível planar na imensidão azul e que a borboleta converter-se-ia em estrela luminescente...
Os ouvintes assinalaram as promessas com emoção; no entanto, assim que o silêncio voltou a reinar, o melro alegou:
— Anjo bom, escusai-me! Um ninho espera-me no arvoredo... Meus filhotes não me entenderiam a ausência... E afastou-se apressado.
O abutre confessou em tom enigmático:
— Comovente é a vossa descrição do Plano Divino, entretanto, possuo interesses valiosos no mundo. Preciso voar...
E partiu, batendo as asas, a fim de arrojar-se sobre carniça próxima.
A tartaruga moveu-se lentamente e explicou:
— Quisera seguir-vos, abandonando o cárcere sob o qual me arrasto no solo, contudo, tenho meus ovos na praia... E regressou, pachorrenta, à habitação que lhe era própria.
A borboleta achegou-se ao pregador da bem-aventurança e disse, delicada:
— Santo, não posso viajar convosco. Moro num tronco florido e meus parentes não me desculpariam a fuga. E tornou à frescura do bosque.
O Anjo, que não podia violentá-los, marchou, sozinho, para diante...
A borboleta, porém, apenas avançara alguns metros, na volta à casa, viu-se defrontada por hábil caçador que lhe cobiçava as asas brilhantes.
Após longa resistência, tentou alcançar a árvore em que residia, mas, perseguida, presenciou a morte de alguns dos familiares que repousavam.
Chorosa, buscou refugiar-se em velha furna, sendo facilmente desalojada pelo implacável verdugo. Ensaiou, debalde, esconder-se entre velhos barcos esquecidos na areia... Tudo em vão, porque o homem tenaz era astucioso e sabia frustrar-lhe todas as tentativas de defesa, armando-lhe ciladas cada vez mais inquietantes.
Quando a pobre vítima se sentia fraquejar, lembrou-se do Anjo da Libertação e voou ao encontro dele.
O mensageiro divino recebeu-a, contente, e, oferecendo-lhe asilo nos próprios braços, garantiu-lhe a salvação.
O narrador fez pequena pausa e considerou:
— O sofrimento é assim como um caçador providencial em nossas experiências. Sem ele, a Humanidade não se elevaria à renovação e ao progresso. Quem se acomoda com os planos inferiores, dificilmente consegue descortinar a Vida Mais Alta, sem o concurso da dor. Saibamos, assim, tolerar a aflição e aproveitá-la.
Quando a criatura se vê na condição da borboleta aflita e desajustada, aprende a receber na Terra o socorro do Céu. Calou-se o mentor sábio, e, porque ninguém comentasse o formoso apólogo, passamos todos a refletir.
(De “Contos e Apólogos”, de Francisco Cândido Xavier, pelo espírito Irmão X)
Paz e Luz
Graciela