domingo, 20 de abril de 2008

Xenia Antunes


CARPE DIEM(I)
Acordo
todas as manhãs
e mesmo nas manhãs mais iguais
e dentro dos gestos mais antigos
há o olhar que reconhece o corpo desabitado
a cama e o naufrágio
e já possuo até a ternura do hábito.

Espanto a zonzeira de alguns sonhos poucos
conserto a mulher de alguns sonhos muitos
e é o mesmo pé
ou a variação de um dos dois pés
para fora da cama e do sono que teima
em concorrer no festival.

E espero a notícia
a denúncia vazia
a renúncia vazia
a hora certa nacional:
meu coração não confere.

Vacilo e me escrevo o resto da poesia de ontem
nos muros
nas folhas papoulas
nas margens possuídas dos rios sombrios
nos guichês
nas roletas
nos terminais da avenida
nos pontos parados
pretos ponteiros
relógios
das eternidades do dia.
(Xenïa Antunes)

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