Na ausência de versos que alguém me desse,
Colhi o poema lírico que brotava da minha alma,
E o escrevi para mim,
Como um presente...
uma carícia em filigrana.
Eu o escrevi como se colhesse uma rosa.
Não a rosa, ainda botão, no alto da roseira,
Que todos olham e desejam cortar
Para levar embora e mergulhar o seu caule
Num vaso com água, prolongando o seu fim.
Mas a rosa que ficasse para a eternidade,
Como a que floresce no quadro do pintor...
Pétala a pétala, folha a folha, espinho a espinho,
Completando os claros da tela pálida e vazia.
A rosa que toma a cor dos olhos de quem a vê, e
A textura das mãos que sonham tocá-la.
A rosa que seduz para sempre, como se tivesse
Tentáculos por dentro de cada pincelada, e
Que traz nas suas nuanças o sangue da terra.
Colhi o poema e deixei que ele me espetasse
A imaginação com a agudeza da metáfora,
E criasse um rio vermelho de versos
Que fizessem correnteza e polissem os seixos
Com a realidade do som alegre da liberdade.
Murmúrios que a cumplicidade dos amantes
Conhece e arrepiam como unhas sobre a pele.
Permiti que as suas letras nuas, como o corpo
Da mulher que amei num sonho vago,
Bebessem da seiva mais funda do meu ser,
E navegassem nos veios subterrâneos do meu existir...
Lá onde afloro e tenho o ventre aberto
A cada poema que nasce.
Sofro ainda as dores do parto, mas o poema
Está vivo no seu sacrário e chora como um bebê
Que nasceu forte.
As dores do parir, pouco ou nada importam.
Talvez amanhã seja diferente...
Talvez eu escreva um poema que navegue num
Barco tão profundo como a morte...
Quem poderá dizer se não sei onde busco o verso?
A inspiração brota das entranhas...acontece...
E se acontecer assim,
o farei com a certeza que a Poesia
nascida do íntimo da essência humana,
Jamais terá um ponto final, e sempre valerá a pena,
Outros seguirem na continuidade,
Assim como um fio que vai se desenrolando
De um novelo do tamanho do universo.
Senti sede no alinhavar do esboço...
Bebi dos botões que nasciam dos seus seios,
Um líquido branco que escorreu para dentro de mim,
Preenchendo o poço desocupado,
Como um início...como semeadura em solo fértil.
Embriaguei-me nas metáforas e adormeci,
Com o acalento da voz de um anjo que cantava...
Distante...muito...muito distante...
Realidade ou mais um sonho?
Senti-me querido no afago do poema andarilho
Que me buscava e assim a felicidade se fez.
(Antonio Miranda Fernades)
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