domingo, 1 de junho de 2008

Me abraça



Me Abraça
Eu queria menos dez anos. Não pela idade, essa nem traz tanta saudade, mas porque eu vomitava poemas, versos de alguém que sonhava.
— Garçom traga outro chope!
Eu queria que hoje fosse dezembro de 1997. Com as gêmeas espiando o céu de Manhattan, burcas sem ameaças e Peterson tocando Tenderly.
—Peça um tira- gosto de nostalgia.
Eu queria que amanhã fosse janeiro aqui no meu Rio e você, com um sorriso, correndo no calçadão sem filtro solar.
—Aperta minha mão?
Eu queria de volta aquele fevereiro imperfeito que teimava em ser junho e se vestia de dia dos namorados.
—To caduca?
Eu queria um março com águas sem acidez, uma calda de doce com muito açúcar zoando do zero cal.
—Me olha nos olhos.
Eu queria um abril sem primeiro, que desmentisse que não mais existe um cantinho e um violão.
—Consegue ver o Corcovado com essa constante neblina?
Eu queria um maio com mãe pra eu fazer um lindo cartão.
—Tem um cisco no meu olho?
Eu queria um junho de caipira, bolo de fubá e que no céu só explodisse fogos de artifícios.
—Repara no meu arrepio.
Eu queria um julho com férias escolares, crianças sem alcunha de pivete e sentir a paz dos justos no coração.
—Quantos morreram no vôo da Tam?
Eu queria aquele agosto que desmente a rima, que quebra a sina e se antecipa em flores.
— Não me fale das criadas em estufas que nascem sem o beijo do colibri.
Eu queria um setembro com cheiro de tangerina brincando que é outono.
—Frutas agora, em qualquer época do ano, têm gosto de importação.
Eu queria um outubro contente e poder soprar minhas velinhas com Sabino novamente.
—Viva o Fernando!
Eu queria um novembro com dia dos vivos e com orgulho da nossa bandeira.
—Quantas medalhas nós já temos no Pan?
Eu queria um dezembro que não fechasse o ano e que voltasse a esse janeiro que tinha o jeito de filho recém-nascido.
— Por que não inventaram a cura pro tempo?
Mas o que eu queria mesmo era me reencontrar e sentir que apesar desse mundo estar tão do avesso ele vira direito quando tenho você presente na batida do meu peito.
— Preciso de um abraço já!
(Rosa Pena)

0 comentários: